31/10/2012

CRÔNICA - INTERPRETAÇÃO DE TEXTO


NO RESTAURANTE

- Quero lasanha.
Aquele anteprojeto de mulher - quatro anos, no máximo, desabrochando na ultraminissaia - entrou decidido no restaurante. Não precisava de menu, não precisava de mesa, não precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria. Queria lasanha.
O pai, que mal acabara de estacionar o carro em uma vaga de milagre, apareceu para dirigir a operação-jantar, que é, ou era, da competência dos senhores pais.
- Meu bem, venha cá.
- Quero lasanha.
- Escute aqui, querida. Primeiro, escolhe-se a mesa.
- Não, já escolhi. Lasanha.
Que parada - lia-se na cara do pai. Relutante, a garotinha condescendeu em sentar-se primeiro, e depois encomendar o prato:
- Vou querer lasanha.
- Filhinha, por que não pedimos camarão? Você gosta tanto de camarão.
- Gosto, mas quero lasanha.
- Eu sei, eu sei que você adora camarão. A gente pede uma fritada bem bacana de camarão. Tá?
- Quero lasanha, papai. Não quero camarão.
- Vamos fazer uma coisa. Depois do camarão a gente traça uma lasanha. Que tal?
- Você come camarão e eu como lasanha.
O garçom aproximou-se, e ela foi logo instruindo:
- Quero uma lasanha.
O pai corrigiu:
- Traga uma fritada de camarão pra dois. Caprichada.
A coisinha amuou. Então não podia querer? Queriam querer em nome dela? Por que é proibido comer lasanha? Essas interrogações também se liam no seu rosto, pois os lábios mantinham reserva. Quando o garçom voltou com os pratos e o serviço, ela atacou:
- Moço, tem lasanha?
- Perfeitamente, senhorita.
O pai, no contra-ataque:
- O senhor providenciou a fritada?
- Já, sim, doutor.
- De camarões bem grandes?
- Daqueles legais, doutor.
- Bem, então me vê um chinite, e pra ela... O que é que você quer, meu anjo?
- Uma lasanha.
- Traz um suco de laranja pra ela.
Com o chopinho e o suco de laranja, veio a famosa fritada de camarão, que, para surpresa do restaurante inteiro, interessado no desenrolar dos acontecimentos, não foi recusada pela senhorita. Ao contrário, papou-a, e bem. A silenciosa manducação atestava, ainda uma vez, no mundo, a vitória do mais forte.
- Estava uma coisa, heim? - comentou o pai, com um sorriso bem alimentado. - Sábado que vem, a gente repete... Combinado?
- Agora a lasanha, não é, papai?
- Eu estou satisfeito. Uns camarões tão geniais! Mas você vai comer mesmo?
- Eu e você, tá?
- Meu amor, eu...
- Tem de me acompanhar, ouviu? Pede a lasanha.
O pai baixou a cabeça, chamou o garçom, pediu. Aí, um casal, na mesa vizinha, bateu palmas. O resto da sala acompanhou. O pai não sabia onde se meter. A garotinha, impassível. Se, na conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem aí, com força total, o poder ultra-jovem.

ANDRADE, Carlos Drummond. Crônicas I - “Para Gostar de Ler 1”. São Paulo: Editora Ática; 2005. 27º Edição

Interpretação:
1-Que tipo de texto você acabou de ler?
(    )música         (    )crônica     (     )notícia        (     )poesia
2-Com que detalhes físicos o narrador descreve a menina?
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3-Quais os detalhes do comportamento dela?
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4-Nesse conflito, houve um momento em que a vitória parecia pender para o lado do pai, mas a filha venceu. Explique.
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5-Que reações tiveram as pessoas que estavam no restaurante durante o conflito?
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6-Qual é a mensagem deste texto?
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CRONICAS



Recado ao Senhor 903

“Vizinho,

Quem fala aqui é o homem do 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu apartamento. Recebi depois a sua própria visita pessoal – devia ser meia-noite – e a sua veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a Lei e a Polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito a repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. Ou melhor; é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números, dois números empilhados entre dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a Leste pelo1005, a Oeste pelo 1001, ao Sul pelo Oceano Atlântico, ao Norte pelo 1004, ao alto pelo 1103 e embaixo pelo 903 – que é o senhor. Todos esses números são comportados e silenciosos: apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vier à minha casa (perdão: ao meu número) será convidado a se retirar às 21h45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois as 8h15 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará ate o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305. Nossa vida, vizinho, está toda numerada: e reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas – e prometo silêncio.

[...] Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse: ‘Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou’. E o outro respondesse: ‘Entra vizinho e come do meu pão e bebe do meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e a cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela’.

E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz.”

(Rubem Braga. "Para gostar de ler". São Paulo: Ática, 1991)

24/10/2012

Dificuldades de Aprendizagem


O termo 'Dificuldade de Aprendizagem' começou a ser usado na década de 60
 e até hoje muitas vezes é confundido por pais, escolas e professores como 
uma simples desatenção em sala de aula.
A  dificuldade de aprendizagem refere-se a um distúrbio que pode ser 
gerado por uma série de problemas cognitivos ou emocionais e pode 
afetar qualquer área do desempenho escolar e na maioria dos casos é o 
professor o primeiro a identificar que a criança está com alguma dificuldade, 
mas os pais e demais membros da família devem ficar atentos também. 
A dificuldade mais conhecida e que vem tendo grandes repercussões na 
atualidade é a dislexia, porém, é necessário estarmos atentos a outros 
sérios problemas como a  disgrafia, discalculia, dislalia, disortografia e o 
TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). 
Segundo especialistas, as crianças com dificuldades de aprendizagem podem 
apresentar desde cedo um maior atraso no desenvolvimento da fala e dos

 movimentos do que o considerado 'normal'.

Mas os pais têm que ter cuidado para não confundir o desenvolvimento normal
 com a dificuldade de aprender. Toda a criança tem um processo, um
 ritmo diferente de desenvolvimento. Umas aprendem a andar mais cedo, 
outras falam mais tarde e isso é absolutamente normal, não existe um 'padrão'

 de desenvolvimento. 
Crianças com dificuldades de aprendizagem geralmente apresentam 
desmotivação e incômodo com as tarefas escolares gerados por um sentimento 
de incapacidade, que leva à frustração.
Mostre para a criança o quanto ela e boa em tarefas na qual ela tem
 habilidade e incentive-a  a desenvolver outras tarefas nas quais ela não é tão
 boa,  procure manter a calma, não rotule , ao contrário, elogie, isso irá 
fortalecer sua auto-estima.
Lembre-se, ninguém é bom em tudo!
Se  você observou alguma dificuldade no seu filho, que lhe chamou atenção, 
ou a escola  lhe chamou para conversar, é importante que o 
acompanhamento seja feito por uma equipe multidisciplinar que deverão esta

r envolvidos com um único objetivo: ajudar a criança!
Por isso é imprescindível que os pais conheçam seus filhos, conversem 
freqüentemente com eles e participem do seu dia a dia para que possam 
detectar quando algo não vai bem.
Outra coisa, as dificuldades de aprendizagem devem ser analisadas e 
compreendidas não somente como uma falha individual da criança que 
resiste em adequar-se ao "pré-estabelecido", mas como uma confluência 
de fatores que incluem a escola, a família, os professores e o sistema
 de relações sociais envolvidos. O impacto positivo do ambiente familiar 
sobre o desempenho da criança na escola depende de dois fatores: 
experiências ativas de aprendizagem que promovem competência cognitiva e

 um contexto social que oferece autoconfiança e interesse ativo em aprender.
Crianças que apresentam algum tipo de dificuldade escolar recebem menos 
atenção de seus pais, uma vez que as próprias dificuldades ocasionam certo
 desgaste na relação afetiva.Embora as dificuldades de aprendizagem 
estejam ligadas a múltiplos fatores, elas são sobremaneira sustentadas pelo
 meio familiar, escolar e social, e a forma como estes sistemas, em especial 
a família, definem essa dificuldade, terá um papel decisivo na evolução e
 resolução do problema, pois as dificuldades de aprendizagem expressam 
uma personificação dos conflitos familiares e emocionais que não foram
 manifestos explicitamente  permanecendo muitas vezes no inconsciente 
da criança, de forma velada.
Como Psicopedagoga sempre me chamou atenção a angústia e a tensão
 com que as famílias encaravam as dificuldades educacionais de seus 

pequenos, principalmente na época da alfabetização formal.


A família se preocupa e se desgasta em acompanhar o filho e esquece que 
alfabetização vem muito antes da entrada da criança na escola. O que eu 
quero dizer com isso? É que muitos pais culpam a escola antes de se 
responsabilizarem pela educação de seus filhos.

Não é uma questão de se encontrar culpados, mas sim de encontrar soluções.

Muitas vezes a criança apresenta dificuldades numa determinada escola, 
simplesmente porque não gostou do ambiente, do espaço, da forma como 
ela foi tratada, como é sua relação com a professora com os amigos, ou a
  metodologia não foi adequada às suas necessidades, e por aí vai.



Muitas vezes basta mudar de escola que cessam todos os sintomas descritos 
acima. Por quê? Porque a metodologia é diferente, as relações que se 
estabelecem são diferentes, a organização, o espaço e o tempo de atividades
 são diferentes, enfim, são múltiplos fatores.

Ballone (2004) afirma que as dificuldades de aprendizagem não devem ser 
tratadas como se fossem problemas insolúveis, mas como desafios que 
fazem parte do próprio processo da aprendizagem. Também considera
 necessário identificar e preveni-las mais precocemente, de preferência ainda 
na pré-escola.
Porém, não é simples afirmar que uma determinada condição psicossocial
 age como causa ou consequência na vida de uma criança.
Uma criança que apresenta dificuldade de aprendizagem, provavelmente, 
já passou por diversas cadeias de circunstâncias desfavoráveis para o seu 
desenvolvimento e essa dificuldade, se persistir, também acarretará novos 
prejuízos psicossociais, que, por sua vez, também contribuirão para a 
manutenção ou intensificação das dificuldades de aprendizagem.

Como vocês podem ver, não é uma questão simples de se resolver, 
requer avaliação  e acompanhamento multidisciplinar, e cada caso requer
 um encaminhamento diferente.

Espero que tenham gostado.

Até breve!